quarta-feira, 25 de maio de 2011

NOTA DE FALECIMENTO

Prezados(as) alunos(as),

Soube hoje que o professor Harold Garfinkel faleceu no mês passado, 21 de abril de 2011. O pai da Etnometodologia deixou-nos um grande legado que precisa ser cuidado. Garfinkel era professor emérito da Universidade da Califórnia.
Recebi um e-mail de uma aluna de mestrado:

Boa noite professor,

Eu queria conversar com vc sobre a metodologia, tá no projeto:

A presente pesquisa é caracterizada como um estudo etnográfico, com abordagem qualitativa, tendo como referencial teórico-metodológico a etnometodologia (SILVA, 1998; 2010; COULON, 1995a; 1995b).

O Roberto disse que o estudo etnográfico englobaria a etnometodologia, eu queria definir isso pra cair dentro da revisão de literatura, mantenho as duas abordagens ou faz só etnografia ou só etnometodologia?



Adriana,

A abordagem etnográfica é ampla, possui vários autores que devem ser utilizados. A etnometodologia pode ser considerada como dentro da ambiência etnográfica, mas possui estatuto metodológico próprio.

No teu caso, penso que deves utilizar a etnometodologia e seus conceitos-chave aliada ao DSC e à observação participante.

Faríamos uma tríade ou triangulação.

Em relação à Etnometodologia deves focalizar:

1. Ações práticas - ou seja, o que de fato acontece no cotidiano do profissional de Educação Física quando atua numa equipe multidisciplinar.

2. Reflexividade - ou seja, verifique que o discurso apresenta características que podem ser utilizadas para descrever o mundo social deste profissional e você deve explorar isso nas entrevistas.

3. Relatabilidade - ou seja, existe uma lógica do senso comum que os autores utilizam para se fazerem compreender. Em inglês o termo é accountability. RELATABILIDADE/INTELEGIBILIDADE/RESPONSABILIDADE

Para que os atores possam descrever, interpretar, explicar, contar o mundo social é necessário que este esteja de uma maneira ou de outra disponível, que seja inteligível, descritível, analisável, observável. Entretanto, de onde procede esta accountability? Ela não é dada, mas produzida. Para Garfinkel, ela é uma realização prática dos atores sociais em interação, indissociável da auto-organização de suas atividades rotineiras. Ela se dá a partir da objetividade (objetivação) do mundo social como produto de atividades práticas desses atores.

Uma primeira aproximação com a noção de accountability pode ser o da “representação do mundo” existente na mente de uma pessoa, servindo de base para a tomada de decisões de atividades práticas; mas trazendo certo número de implicações, tais como: o mundo fornecido pela accountability é a representação de um universo local, centrado principalmente ao redor de um grupo limitado de pessoas (por exemplo: terra, aldeia e outras aglomerações sociais).

A representação é de certa maneira implícita.

A representação é socializada: ela é partilhada interativamente entre os membros do grupo; há uma accountability do grupo que se articula com a accountability individual.

Accountability está em evolução constante porque qualquer evento soma-se às representações prévias do mundo cujos significados são interdependentes, os elementos novos são suscetíveis de modificar as bases de modo importante das representações prévias. Há um compartilhamento de responsabilidades, é um processo democrático, interativo e transparente. Talvez pudéssemos utilizar a idéia da divisão dos poderes (legislativo, judiciário e executivo) na dimensão micro, de modo que os atores se auto-regulam e se vigiam.


4. Indicialidade - ou seja, deves anotar e tentar compreender os termos indiciais, isto é, termos que a princípio não compreendes. Deves pedir ao entrevistado para explicar melhor, daí vais ao campo observar e confirmar o relato do profissional por meio das observações participantes.

5. Noção de Membro - ou seja, a noção de pertencimento (ser membro do grupo) é fundamental em etnometodologia, pois essa noção é condição prévia para toda a atividade de análise e descrição das atividades sociais do grupo pesquisado. As implicações dessa exigência são numerosas, mas uma das mais importantes é a que faz referência à linguagem natural. Se a linguagem natural do grupo não é conhecida, para ser compreendida, necessita que a pessoa seja membro, caso contrário ela não entende o que se diz realmente no grupo. Para ser membro do grupo é necessário:

- aprender a linguagem natural do grupo, que possui uma série de termos indiciais;

- apreender a accountability do grupo.

Você deve verificar se o profissoanl de EF apresenta a linguagem natural do grupo se ele já possui a relatabilidade/reponsabilidae/accountability do grupo.

Em relação à Relatabilidade, você deve observar que:

a) há um caráter prospectivo e retrospectivo no discurso dos entrevistados. Às vezes eles antecipam algo que a posteriori será explicado no discurso. Há de se compreender que os entrevistados estão elaborando as respostas e deve-se dar tempo para que eles possam encontar os melhores termos e ideias. Em outras ocasiões, o entrevistado volta no discurso para explicar algo que não ficou muito claro anteriormente.

b) Há que se observar as cláusula etcetera, ou seja, algumas vezes os entrevistados usam essa cláusula, pois acreditam que as pessoas já compreendam aquilo. Por exemplo, o entrevistado está explicando algo e em algum momento fala " é isso e etc.". Esse etc. é importante e deve ser explorado.

c) Há que observar as Formas Normais Cristalizadas, ou seja, os Patterns, isto é, os padrões. Existem formas nas ações e no discurso que não são mais problematizadas pelos membros dos grupos; caíram no território do habitus. Poderíamos dizer que estão naturalizadas, reificas, ou seja, não são mais percebidas e o pesquisador deve trazer isso à tona e revirar o leito do rio. Como diz a música do Mick Jagger "Old Habits Die Hard".

d) Há que se observar a Reciprocidade das Perspectivas, ou seja, as pessoas não veem o mundo da mesma forma, mas ajustam seus pontos de vista para que a interação ocorra. Há que se observar aqui as relações de poder existentes nas interações sociais, muitas vezes percebe-se que um grupo calou-se diante de uma situação e isto tem um significado que precisa ser compreendido. Neste caso, não devemos simplicar, pois existe o "não-dito".

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